O Ciclo Vicioso dos Conflitos no Casal e Como Quebrá-lo com a Terapia do Esquema
Conflitos são uma parte inevitável dos relacionamentos, mas para muitos casais, as discussões se transformam em um ciclo vicioso e repetitivo, onde as mesmas mágoas e reações se manifestam sem solução. O que muitas vezes é percebido como falta de comunicação ou incompatibilidade, pode, na verdade, ser um eco de padrões desadaptativos da infância, manifestados através do que a Terapia do Esquema (TE) denomina modos esquemáticos.
A TE, desenvolvida por Jeffrey E. Young, é uma abordagem integrativa que busca compreender como experiências negativas precoces criam "esquemas" ou padrões disfuncionais, que influenciam a percepção e o comportamento do indivíduo ao longo da vida (Young, Klosko & Weishaar, 2008). No contexto conjugal, esses esquemas e seus modos de enfrentamento se ativ
am, resultando em um padrão de interação destrutivo conhecido como “química esquemática” ou “ciclo de modos” (Paim & Cardoso, 2019). Este artigo discute a natureza desse ciclo e como a Terapia do Esquema para Casais oferece um caminho para o ressignificado e a cura.
A Dinâmica do Ciclo de Modos no Casal
Os modos esquemáticos são estados emocionais e cognitivos que se manifestam em resposta a gatilhos. Eles representam as partes mais vulneráveis e as defesas construídas ao longo do tempo (Farrell, Reiss & Shaw, 2014). Quando esses modos são ativados em um relacionamento, eles podem gerar um ciclo de reações em cadeia, onde o modo de um parceiro provoca o modo do outro, perpetuando o conflito.
Considere um exemplo comum na clínica: o ciclo entre o Modo Hipercompensador e o Modo Criança Vulnerável.
O Modo Hipercompensador é uma defesa que se manifesta para combater um esquema. Por exemplo, um indivíduo com um esquema de Privação Emocional (a crença de que suas necessidades afetivas não serão atendidas) pode hipercompensar agindo de forma arrogante, controladora ou exigente, com o objetivo de tentar forçar o reconhecimento ou o afeto do parceiro.
Em resposta, o outro parceiro, que pode carregar um esquema de Subjugação (a crença de que deve se submeter aos outros para evitar punição ou abandono), se retira para o seu Modo Criança Vulnerável Submissa. Essa parte sente medo, tristeza e desamparo, e acaba cedendo às exigências do parceiro.
O ciclo se estabelece: o parceiro A (no modo hipercompensador) ataca para tentar obter o que precisa; o parceiro B (no modo criança vulnerável) se retrai, reforçando a crença de A de que suas necessidades não serão atendidas, o que o faz atacar ainda mais. O parceiro B, ao se submeter, se sente ainda mais desamparado, reforçando seu próprio esquema e perpetuando o ciclo de dor.
Quebrando o Ciclo com a Terapia do Esquema para Casais
A Terapia do Esquema para Casais não se concentra em quem está "certo" ou "errado" na discussão. Em vez disso, ela trabalha para ajudar cada parceiro a identificar seus próprios modos e esquemas subjacentes, e a reconhecer como eles interagem. O foco é a cura das feridas originais que alimentam o ciclo.
Os principais objetivos da terapia são:
Identificação dos Modos: O terapeuta ajuda o casal a nomear e entender os modos que se manifestam durante os conflitos. Isso permite que eles vejam que não estão lidando com a pessoa amada, mas sim com uma "parte" dela que está em sofrimento.
Reparentalização Limitada: O terapeuta assume o papel de um “adulto saudável”, oferecendo a cada parceiro o afeto e os limites que faltaram na infância.
Diálogo entre os Modos: Os parceiros são guiados para expressarem as necessidades de suas partes vulneráveis de forma segura, sem o uso dos modos de enfrentamento (como a hipercompensação ou a subjugação). Isso fortalece o Modo Adulto Saudável de cada um.
Desenvolvimento do Adulto Saudável: A terapia capacita o casal a acessar um estado de maior maturidade e a agir de forma compassiva. Esse "Modo Adulto Saudável" se torna capaz de cuidar da "Criança Vulnerável" do parceiro, que antes era vista como o "inimigo".
Ao longo do processo terapêutico, o casal aprende a se comunicar de forma mais autêntica e a se apoiar mutuamente na cura de seus esquemas. O ciclo vicioso dá lugar a um novo padrão de interação, baseado em compreensão, compaixão e vínculo seguro.
Conclusão
Conflitos conjugais recorrentes não são um sinal de fracasso no amor, mas sim um convite para olhar mais fundo para as raízes da dor. O ciclo de modos na Terapia do Esquema oferece uma lente poderosa para entender que a luta não é contra o parceiro, mas contra padrões emocionais antigos.
Ressignificar um relacionamento é um ato de coragem e amor. Significa ir além das brigas e abraçar a jornada de cura conjunta. Se você e seu parceiro se identificam com este ciclo de conflitos, a terapia para casais pode ser o primeiro passo para transformar a dinâmica e construir um relacionamento mais seguro e autêntico.
Nik Fayra Dutra
Psicóloga Clínica
CRP 07/42604
Referências
FARRELL, Joan M.; REISS, Neele; SHAW, Ida A. Terapia do Esquema: Guia para Tratamento Individual, em Grupo e Integrado. Porto Alegre: Artmed, 2014.
PAIM, Kelly; CARDOSO, Bruno Luiz Avelino (Orgs.). Terapia do Esquema para Casais: Base Teórica e Intervenção. Porto Alegre: Artmed, 2019.
YOUNG, Jeffrey E.; KLOSKO, Janet S.; WEISHAAR, Marjorie E. Terapia do Esquema: Guia de Técnicas Cognitivo-Comportamentais Inovadoras. Porto Alegre: Artmed, 2008.
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